sábado, 15 de dezembro de 2012


se no momento não saio ao mundo, pulando muros e subindo em árvores, escalo palavras e mergulho em meu peito.
inda não é hora, inda não é hora de partir mais uma vez sem rumo. meu sem rumo por hora é agora, é aqui, é eu.
amanhã serei eu lá, ganharei mais mundos que mim mesmo. acordarei, olharei no espelho e não verei mais eu. verei dias e noites, verei sóis, estrelas e luas, verei meus passos, meus guias, verei sons e cores, muralhas e árvores, pulos e mergulhos, rios e mares.
mas inda hoje, inda agora, inda em mim há rios para mergulhar, mais uma manhã em que o espelho me grita apenas – é aqui, é agora. é você.
inda não é lá.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

E cá estou eu, Japão


E cá estou, Japão. Também lhe agradeço.
Agradeço por não ser tudo o que imaginei. Agradeço por mostrar-se outro. Por surpreender-me. Por quase me enlouquecer com seus faróis sonoros, com suas meninas de risadinhas tontas e vezinhos nas fotos, com sua juventude alienada e boba, com sua televisão completamente retardada, com seu demasiado estímulo e demasiada repressão, com a ausência de poesia e excesso de futilidades... que às vezes quase me fazem esquecer da poesia que carrego comigo.
Quase.
Mas faz-me lembrar de onde vim. Fazes-me querer cantar pro mundo o que e quem eu conheci, o que e com quem eu aprendi. Fazes-me querer.
E o mais legal ainda, acho... fazes-me inventar um você que é meu, que sou eu.
Fazes-me emocionar-me absurdos com o carinho que senti das pessoas que acabei de conhecer. Fazes-me saber procurar nas maiores sutilezas a sua mais profunda beleza... no escuro de tuas florestas, na fumaça de teus incensos, nos gongos de teus templos, nos teus silêncios. Que muitas e muitas vezes teus próprios filhos não querem sentir. Que muitas vezes eles não te conhecem como eu conheço. Porque te invento.
E porque te invento, porque acabo descobrindo um Japão que sei e saberei melhor amar, porque encontro um Japão que me vale a pena escrever e por saber ser esse Japão que me fez sair de casa, largar meu pai, avó, amigos e até minha namorada... lhe agradeço.
Nunca há de ser em vão a criação que queremos na vida.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

1 mês de Japão

1 mês de Japão
Manhã cansada e feliz
ouvindo Bob
Músculos doem quase arrependidos
Mas coração sabe feliz onde
está
Primeiras aulas, primeiros treinos
Braços abertos do ser humano
que sorri do outro lado do
mundo
em que eu agora habito
1 mês de Japão, o primeiro
e eu já estou feliz

domingo, 9 de setembro de 2012

Primeiras viagens de trem - Nara 奈良 e Kyoto 京都

Nara 奈良

No dia 29/08, meu segundo dia aqui, já embarquei para uma pequena viagem de trem para Nara.
Mal tinha ajeitado minhas coisas, mal tinha feito compras de supermercado, mal tinha me acostumado com o fuso horário (coisa que, aliás, até agora ainda não me acostumei 100%), e já subi num trem com os amigos e fui para Nara, pólo da cultura tradicional japonesa.

A menos de uma hora de trem de Tenri (cidade que eu estou morando), a região de Nara é praticamente o berço da civilização japonesa, e a cidade de Nara, portanto, concentra inúmeros lugares históricos para serem visitados.
Há dezenas de templos espalhados pela cidade e seus arredores.
Como sempre sonhei em conhecer estes lugares, acho que a melhor coisa que fiz foi ter ido logo conhecê-los! Pois assim pude dar uma relaxada, gastar um pouco da ansiedade acumulada há anos de querer ver, tocar, respirar estes lugares. E foi nesses lugares que começou a me cair a ficha: "Mano, eu tô no Japão".

Coitado do Bruno, amigo brasileiro, intercambista como eu, mas mais experiente, pois chegou ao Japão no início do ano. Coitado dele, pois ficou me ouvindo repetir essa frase mil vezes ao longo do dia: "Mano, a gente tá no Japão..."

Simplesmente, a cada vez que meus olhos se encontravam com aquelas estruturas, que ali existem a mais de mil anos, abarcando tantas histórias, vidas e mortes de tantas pessoas tão diferentes de mim, eu pude descobrir em mim uma reação que nunca tinha sentido antes, com nada que já tenha visto ou vivido. Simplesmente eu perco o ar, perco a noção de tempo, as pernas bambeiam de leve, e uma mistura de sorriso com queixo caído toma conta de minha cara. Acho que pra quem me vê assim, devo parecer terrivelmente bobo. Mas como vale a pena...

Seguem algumas fotos, que nunca, nunca mesmo conseguirão expressar a beleza destes lugares. Só estando lá pra saboreá-los por completo!

 Nara, comecinho do parque, debaixo de chuva


 Esta é a entrada, espécie de portão, do templo Toudaiji 東大寺


 Estes dois valentões são os Nyo, guardiães dos templos. Ficam um de cada lado do portão, e simbolizam os opostos que se complementam, Yin e Yang

 Nas colunas do portão, pessoas colocam moedas e fazem pedidos! 
Tocar estas colunas e pensar há quanto tempo elas estão ali, e quantos pedidos elas já receberam, foi mais uma experiência de tirar o fôlego

 Toudaiji - 東大寺, o Grande Templo do Oriente



 Bodisatva tocador de flauta!

 Daibutsu - 大仏
O Budão!
Uma das maiores estátuas de Buda do mundo!

 Binzuru Sama, bodisatva discípulo de Buda, famoso por seus poderes mágicos de cura

Veadinhos que vivem livres pelo parque de Nara, causando terror entre as pessoas, e roubando suas comidas

 Portal, Torii - 鳥居, no início para um caminho montanha acima, com diversos templos e santuários

 Templo que eu não sei o nome, por isso chamei de Templo das Montanhas...
Espero que esse monge não se ofenda.

 Esta é uma das minhas palavras japonesas favoritas: Kokoro - 心
À um só tempo, com esta palavra apenas, eles expressam uma coisa que nós, na língua portuguesa, precisamos de várias palavras para dizer: Coração, mente, espírito, sentimento, sentir, sensibilidade.

Vista da varanda do Templo das Montanhas
O telhado do Toudaiji mais pra baixo, e atrás a cidade de Nara



Kyoto 京都

A viagem para Kyoto foi bem menos pretenciosa. A empolgação incontrolável da chegada recente ao Japão já estava bem mais tranquila. Já haviam se passado alguns dias desde que cheguei no Japão (27/08, nós fomos pra Kyoto no dia 06/09), e, além disso, por se tratar de uma cidade muito maior do que Nara, com mais cara de metrópole, nós fomos até lá para que eu comprasse um Denshi Jisho 電子辞書, dicionário eletrônico de japonês, que me será absurdamente útil daqui em diante.
Fomos eu, Bruno, Emílio (colega da Unesp que veio comigo para o intercâmbio), Greg (amigo francês que conhecemos por agora, também intercambista), e o Kazuki (amigo japonês do Bruno, mais fanático por futebol do que muitos brasileiros que existem por aí, inclusive eu).
Depois de quase enlouquecer aos sons, cores e exageros das lojas japonesas de eletrônicos, numa das quais eu comprei, afinal, o meu Denshi Jisho, nós fomos almoçar num Ramen Ya ラーメン屋, restaurante típico de macarrão do tipo Lamen (sim, é daí que vem o famigerado Miojo Lamen!).
Estar no Japão sem conhecer um Ramen Ya, seus cheiros, e sabores - e os sons da galera chupando os macarrões ferventes pra dentro com uma velocidade incrível, ignorando toda a dor causada pela temperatura do caldo - não é estar no Japão.
O Ramen é na verdade um prato típico chinês, se não me engano, mas é muito popular no Japão. Ouso dizer que aqui ele é, inclusive, mais popular do que o Sushi. O próprio amigo Kazuki, aliás, é um japonês muito excêntrico, que é exemplo dessa popularidade: ele odeia peixe, mas ama Ramen.

Enfim... Após o almoço, resolvemos passear pelos templos mais próximos.

Seguem algumas fotos. Apesar de eu já estar munido do meu Denshi Jisho, ironicamente eu não o estreei nesse passeio, e por isso não faço ideia dos nomes dos templos que visitamos, porque não consegui entender as placas. Só agora que pensei que poderia ter perguntado pro Kazuki...


 Japoneses almoçando ruidosamente

 Pessoar que tava junto comigo: da esquerda pra direita, Emilio, Kazuki, e Greg
(Almoçando não tão ruidosamente)

 Bruno, brindando com seu chá
O da hora dos restaurantes japoneses é que o chá sempre é de graça, e as moças vivem enchendo o seu copo de novo!

Meu Ramen de carne de porco - Buta Niku 豚肉

 Itadakimasu! いただきます!
Expressão tradicionalmente dita antes das refeições, também uma das minhas expressões favoritas da língua (depois eu explico melhor o sentido da expressão)
Especificamente nesse caso, eu não estava falando nada... estava apenas fazendo uma careta de fome 

 Gochisou sama deshita! ご馳走様でした!
Expressão tradicionalmente dita depois das refeições

 Kyoto, cidade grande e moderna, que guarda suas relíquias escondidas entres seus prédios

 Contrastes que só se vê no Japão

 Flor de lótus na entrada do templo




 Bonsai gigante




 Detalhe das telhas, bastante comum aqui no Japão, mesmo em casas normais.
É um dos símbolos que mais gosto, chamado Mitsudomoe.
São três esferas no mais perfeito e harmônico movimento, cada uma simboliza o Céu, a Terra e o Homem



 Kûkai, famoso monge andarilho



Pombinha japa

 Tsuru, ou Grou - Ave muito importante na cultura japonesa, pois, pelo que ouvi dizer, simboliza sorte, paz e longevidade. 
É dela que vem o origami mais famoso, que todo mundo conhece!

 Pagodão e templo
 Pagodão e capelinha


segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Primeira noite de Japão

27/08/2012

Primeira noite
de Japão
e já não ouço
nada.

Silêncio reina
em meus
silêncios.

E a pele sua
o corpo chora,

gotas duras
num caderno de
minha bagagem.

Pensar no quanto
vi nas últimas horas

imagens fundas
de arranhar alma,

desertos e florestas
rios e montanhas


千山万水


em meus olhos
coração e carne.

Alma arranhada por
paisagens que não esquecerei
dos seres humanos
que não conheci

mas que amo.












quarta-feira, 22 de agosto de 2012

具える - Sonaeru - Preparar-se


Ainda em terra.
Ainda em continente.

Inicio o primeiro passo de partida: arrumar as malas com o que há de mais precioso em meu passado e em meu presente. 
Só levo o que sei que vou precisar - e como é difícil precisar o que é preciso. 


Já que roupas, tênis, agasalhos, meias e cuecas são coisas relativamente arranjáveis em qualquer lugar do mundo, decido não levar muito do que tenho. Escolho aquelas as quais tenho maior carinho.

Levo também presentes, para aqueles que conhecer por lá. Em japonês, a palavra お土産, Omiyage, designa exatamente isso: um presente, lembrança, souvenir. Um gesto de amizade, mostrar um pouco do que sou e de onde vim. Me divirto pensando no que seria mais brasileiro, diferente e divertido de levar: rapadura, goiabada cascão, paçoquinhas, bananinhas e, claro, cachaça...torço para que a Polícia Federal não pense que sou contrabandista.
Para minha própria sanidade, levo também uma groselha Campeão e alguns pacotes de Trakinas, pedaços de infância e alegria que, com certeza, me serão muito caros quando a saudade apertar.

Livros, sei que devo levar poucos. Como é difícil selecionar as palavras, ensinamentos que ainda preciso, e histórias que mais quero perto de mim! Sidarta, Cartas a um Jovem Poeta e Aikido e a Harmonia da Natureza foram os que desde o início eu tive a certeza de que levaria. Além destes, há uma nova aquisição, que veio no momento certo: De carona com Buda, que conta a história de um cara que percorre o Japão de ponta a ponta somente de carona. Levo um livro do Thiago de Mello, velho poeta, que um irmão me emprestou. E levo também um guia turístico do Japão, presente de uma querida amiga, que finalmente será utilizado de verdade.

No mais, levo pedaços. Formo um mosaico em meu peito com as palavras que me acompanham.
Faço deste blog também minha mala, e deixo aqui algumas das palavras não impressas que carrego comigo...  


Proverbios y cantares, XXIX - Antonio Machado

Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar.

*

Para repartir com todos - Thiago de Mello

Com este canto te chamo.
Porque dependo de ti.
Quero encontrar um diamante,
sei que ele existe e onde está.

Não me acanho de pedir
Ajuda: sei que sozinho
Nunca vou poder achar.
Mas desde logo advirto;
Para repartir com todos.

Traz a ternura que escondes
Machucada no seu peito.
Eu levo um resto de infância
Que meu coração guardou.

Vamos precisar de fachos para as veredas da noite,
Que oculta e às vezes defende o diamante.
Vamos juntos, traz toda a luz que tiveres,
Não te esqueças do arco-íris que escondestes no porão.

Eu ponho a minha poronga, de uso na selva,
É uma luz que se aconchega na sombra.
Não vale desanimar
Nem preferir os atalhos
Sedutores que nos perdem,

Para chegar mais depressa
Vamos achar o diamante
Para repartir com todos.
Mesmo com quem não quis
Vir ajudar, falto de sonho.

Com quem preferiu ficar
Sozinho bordando de ouro
O seu umbigo engelhado.
Mesmo com quem se fez cego
Ou se encolheu na vergonha
De aparecer procurando.

Com quem foi indiferente
E zombou das nossas mãos
Infatigadas na busca.

Mas também com quem tem medo
Do diamante e seu poder,
E até com quem desconfia
Que ele exista mesmo.
E existe:

O diamante se constrói
Quando o procuramos juntos
No meio da nossa vida
E cresce, límpido cresce,
Na intenção de repartir
O que chamamos de amor.

*

Acho viver a vida
como quem andarilha.

Mesmo estando em
meu corpo em algum
lugar nalguma rotina.

Pois quem recria,
recria.
Refaz, revê,
reé.

Para ser nesta vida
um velho sem 
nenhum sinal de
cansaço.

E com muito mais 
do que cabelos 
brancos.

(Jony Pupo, 2007)

*

Muito tenho
pequeno sou
enorme mundo
                  além da cabeça

sempre amigo
                  simples futuro especial

         ideia inocente

mim voa
                  para longe

(Jony Pupo, 2005)

*

Preparar-se para uma longa jornada será sempre tarefa terrível, se quisermos arrastar o mundo em que vivemos para o mundo que iremos conhecer. 
Vivendo este momento de partida, tomo o banho de água fria dessa realidade: a bagagem deve ser leve, senão não há aventura, senão não há descoberta, senão não há crescimento.
E o medo, este sim, terrível, de largar tudo o que conheço, de me lançar para o nada? Para o outro lado do mundo? Para um bando de japoneses, falando japonês na minha orelha em tempo integral! 
O medo de me perder de mim, de não ser mais quem fui e quem sou, de não ter mais tudo o que tive e tenho na vida.
Para tal tipo de jornada, é preciso abandonar-se. Deixar tudo aqui, e me lançar para lá. Deixar sobrar somente a vida, que é quem vai me levando, derradeira e amavelmente. 
Aquilo que é em mim mais precioso, aquilo que sou eu... aqueles que amo, coisas que vivi e senti. Mestres que encontrei. Os tambores que ouvi e os que toquei, os poemas que li e os que escrevi, os filmes que vi, músicas que ouvi e cantei, livros que li e reli e reli... A moça que sorri em meu coração.
Deixo tudo aqui, porque deixo aqui a necessidade insana de querer reter e controlar a vida, em sua mais pura e crua potência. Deixo aqui essa ilusão de precisar levar com tijolos e telhas a casa onde cresci.
Deixo essas materialidades aqui, para me levar com mais leveza, porque sei que, se me levo leve, aos poucos sinto: "nada te abandona". E então simplesmente continuarei sabendo daquilo que me é precioso. Saberei daqueles que amo, das coisas vividas e sentidas, dos mestres, dos tambores, dos poemas, dos filmes, das músicas, dos livros... Saberei da moça sorridente de meu coração, como aquele que simplesmente sabe quando sente fome: sabe porque sente. 
"Nada te abandona", porque é o que é você, é o que sou eu, é o que somos nós. Por mais que mude, não mudo. Nada me abandona, porque eu, esquecendo-me, posso melhor e mais livremente me sentir, e então, pura e simplesmente ser tudo o que fui e sou - a vida em sua mais pura e crua potência.

"Fui à floresta porque queria viver plenamente. E sugar a essência da vida. Abandonar tudo que não fosse vida, e não, ao morrer, descobrir que não vivi."

- Thoureau