quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Como se volta para as antigas roupas?
Que corpo é este que as veste agora?
Que pele as toca?
Que suor as umedece?

Lágrimas me acompanham, sempre.
Sou eu também quem chora?

Como voltar,
se é que há volta?

Como ser
inteiro
a pele que veste
as roupas de agora?



航海する海は涙で作る
koukaisuru umi wa namida de tsukuru

De lágrimas faço

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Oyasato


Oyasato

Uma canção em sopros que não cessa ao meu redor.
A confecção de baquetas, de peles, de corpos, de sons.
Rostos sorridentes, corpos cheios de vida, brilho nos olhos.
Cidade natal, cidade-mãe, vilarejo de outrora, de sempre, de antes.

A curiosidade, a inocência, a pureza.
O respeito, a vida, a reverência.
A reza.
A purificação.

O suor, o som, o chão.

Abraços de irmãos, amor de mestre.
O som, o som, o som.

A força sem dano, o esforço sem medo,
a explosão sem violência
quando é explosão de vida.

Uma família, estranha família, que de repente se cria
em meu peito.
Pequenos bobos e sábios
irmãs e irmãos.
Tanto a aprender.
Tanto a retribuir.

O som, o som, o som.



天理市、天理教校親里和太鼓部・親里四号館
平成25年5月3日

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Monte Yoshino, ventos, cerejeiras e a cabana de Saigyô


À beira da estrada
Na sombra de salgueiro
Onde flui límpido regato,
"Só por um minuto", disse eu,
E ainda não parti.

(Saigyô, tradução desconhecida por mim nesse momento)

Neste final de semana passado, mais especificamente no domingão, fiz um passeio que queria fazer há muito tempo, desde que cheguei aqui no Japão. Em companhia de alguns amigos franceses e um amigo brasileiro, subi o famoso Monte Yoshino (吉野山).
O Monte Yoshino se enconta na beirada de uma cadeia de montanhas que unem a província de Nara 奈良県, com a província de Wakayama 和歌山県. É uma região famosíssima, por conter inúmeros templos e caminhos antigos, sendo uma área considerada sagrada para a prática de peregrinação.
Nessas montanhas que se originaram, há muito tempo atrás, os Yamabushi 山伏, sacerdotes budistas da escola Shugendou 修験道, famosos por suas práticas ascetas e rituais de purificação - segundo um monge com quem conversei num dos templos.

O Mte. Yoshino, especificamente, é também muitíssimo famoso por ter em sua área centenas de pés de Sakuras 桜 (cerejeiras), que florescem em diferentes períodos, dada a diferença de altitude, prolongando assim o tempo de Sakuras florescidas.
Fui a essa montanha exatamente em busca das Sakuras, e não pude ficar mais contente com o que encontrei por lá. As árvores, em sua maioria, já estavam sem flores, e somente nos lugares mais remotos, montanha adentro, foi que as encontramos, já em seus últimos dias de exuberância. Foi magnífico.

Como já havia mencionado por aqui, a sensação que as Sakuras despertam é algo inigualável. Mas o que senti lá, no alto daquela montanha, foi ainda mais absurdo. O mesmo vento que me refrescava a cada passo na subida, derrubava centenas de pétalas, fazendo-as pequenas bailarinas, antes de chegarem ao chão, e ao final de sua vida.
Pequenas vilas se encaixavam nas curvas da montanha, e entre elas, enormes templos, carregados de silente e poderosa história. Um cheiro de incenso, o céu azul e a terra branda, ambos parecendo estar mais perto a um só tempo. Ancestralidade sem começo e nem fim, apenas sendo, vindo, e servindo.

Logo no primeiro templo que alcançamos, havia uma pequena barraca onde monges tão carecas quanto simpáticos ofereciam sake para os passantes, um sake que era produzido ali no próprio templo, e que servia a um único propósito: brindar às Sakuras, brindar à vida e à morte.
Nem preciso dizer da minha alegria com aquele brinde. Aquele começo de jornada ficou ainda mais onírico...

Caminhamos o dia inteiro, com um belo sorriso no rosto. Nos perdemos e nos achamos na floresta, almoçamos no meio do mato, o rolo de papel higiênico que levei na mochila salvou a vida de uma das amigas do grupo... enfim, foi um belo de um dia em minha vida.

Mas uma das coisas que mais me marcou, de longe, foi um encontro absurdamente inusitado. Após nos perdermos um pouquinho na floresta, voltamos para a bifurcação que nos levou à isso, e seguimos pelo caminho da esquerda. Após descer por uma trilha estreita, chegamos ao ligar mais cheio de Sakuras que encontramos até então: uma espécie de vale, pequeno, ao pé de dois morros.

Mas antes de contar o que exatamente encontramos por lá, gostaria de compartilhar uma outra estupenda surpresa que tivemos nesse caminho: uma garota japonesa estava fazendo essa mesma trilha, CALÇANDO SAPATOS DE SALTOS ALTOS. Não resisti, e tirei uma foto - achei que também seria útil para provar que eu não estava delirando, e que sim, algumas garotas japonesas podem ser tremendamente tontas. Aliás, tonto era também o namorado dela, que em muitos momentos a carregava nas costas morro acima e abaixo!  Juro que desejei ser esse cara por um momento, só para poder arremessá-la feito pétala de Sakura, e inventar assim mais uma bela forma de celebrar a brevidade da vida.

Bom, desabafo sádico a parte, sigo contando o que encontramos naquele vale das Sakuras...

Não haviam grandes coisas, além de dezenas de pés de cerejeiras, uma pequena bica d'água... e uma cabana. Um cabana isolada no meio da montanha, onde, há muito tempo atrás, pelo período de três anos, viveu sozinho um monge asceta, hermitão, poeta. Era chamado de Saigyô 西行.

Saigyô foi um cara incrível, e esse encontro com ele para mim foi mais uma experiência de tirar o fôlego, mais uma das algumas experiências que fizeram valer todo e qualquer sacrifício de estar aqui, para além do tanto de coisas práticas que estou aprendendo. Se estar aqui, sendo bolsista intercambista da Universidade de Tenri, engrandece meu currículo Lattes, esse pequeno e singelo encontro com Saigyô me enriqueceu a vida, o coração e a memória para sempre, e desde já sou grato por isso.
Já havia tido contato com a sua poesia antes, na faculdade, quando eu inda estava no Brasil. Li trechos de seu livro "Poemas da cabana montanhesca", e qual não foi o meu delírio ao encontrar, sem absolutamente nenhuma intenção ou precedente, a cabana onde ele viveu e escreveu este livro, a tal da Cabana Montanhesca!

Fico pensando nele ali, em como ele viveu, o que ele comia, como ele vivia... O que será que ele fazia todo dia? Três anos de solidão e completude. E o resultado disso não pode ser mais belo: poesia.

Ficam aí algumas fotos, minhas e de alguns amigos (Vinícius, Marion, Victorien), para ilustrar, ainda que muito pouco, como foi para mim esse dia - trecho de caminho, caminho de poesia.



O começo da subida, e a mistura das cores da montanha 


 E de repente tudo fica rosa


 Pequenas vilas guardando mil histórias


 Templão e Sakuras


 Templão e a tendinha do sake ali embaixo


O brinde


Mil Budinhas


 Um Yamabushi tocando seu berrante e posando pra foto


 Perdidos na floresta 1


 Perdidos na floresta 2


Perdidos na floresta, mas sem miséria!
Armoço no meio do mato

A trilha rosa

 A tonta


 A cabana: Saigyô-an
西行庵


A cabana e a estátua

O hómi

 "Indo embora de Omine-okugakemichi, sentido o Mte. Sanjogatake, descendo ao longo do vale por um tempo, você alcançará um pequeno vale. Em seu canto se encontra Saigyo-an,  uma pequena cabana onde Saigyo (1118-1190), um poeta e monge budista, viveu por três anos. Enquanto esteve nas profundezas da montanha, ele escreveu muitos poemas. Os arredores são uma área famosa de contenplação das cerejeiras, chamada Okusenbon. Como as cerejeiras, ambas as folhas verdes e frescas na primavera, e coloridas no outono, são muito bonitas. Ali por perto há uma fonte de águas limpas, chamada de Kokeshimizu."


O minino

O horizonte

 Os novos amigos


E a foto clássica queima-filme de minha pança grávida






É nóis, Saigyô-san.


PS. Aqui vai um blog que achei, de um cara que traduziu uns poemas do Saigyô.
Tá em inglês... mas quem conseguir entender, vai curtir com certeza.
Fico devendo traduções pro português de alguns poemas do Saigyô... promessa.
http://classicaljapanesetranslations.blogspot.jp/2012/06/saigyo-looking-to-west.html

sábado, 6 de abril de 2013

Memória eterna da fugacidade


E as sakuras já se vão de Tenri...
Eu, que não fiz as coisas que gostaria de ter feito enquanto elas inda estavam por aqui... adoeci, resguardei-me em casa, deixei tudo passar. E passou.
Não deixei de experimentar a sensação de brevidade que as sakuras nos despertam. Acordei num belo dia, a árvore que vejo de minha janela encheu de cor minha manhã. Acordei num belo outro dia, e já não estavam mais lá.
Foi assim mesmo, num sopro, que elas vieram e foram embora. Nasceram e morreram, e trouxeram sua serena, mas forte mensagem: estamos todos morrendo também.
Estas palavras podem não soar novas, mas sentir de fato a sensação de efemeridade que as sakuras despertam é algo sem tamanho. É como um sonho. Mal nos mexemos, mal piscamos e já nos resta apenas uma lembrança, a memória de sentir suas cores, seus sons, seus ares. Memória eterna da fugacidade. 



















domingo, 10 de março de 2013

Nossa


nossa, olha o tamanho desta solidão.
ousar escrevê-la, sem tentar detê-la.
que ela seja.
livre em meu coração.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Ame ni mo makezu - Tradução de poema de Kenji Miyazawa

Descobri há uns dois anos atrás um poeta chamado Kenji Miyazawa,  宮沢 賢治.
Na época, estava buscando poetas japoneses contemporâneos, e acabei encontrando um poema dele na internet, intitulado Ame ni mo makezu, com tradução para o inglês. Achei muito lindo, e o guardei bem guardado.

Esses dias o reencontrei em meu computador, e me emocionei novamente. Me propus a lê-lo no original, sem depender da tradução em inglês, e me surpreendi com o fato de ter conseguido entendê-lo sem grandes problemas (dá-lhe dicionário!)

Pesquisei um pouco mais sobre o poeta, e descobri que ele teve uma vida interessante. Nasceu em 1886, filho de um abastado penhorista, numa cidade bem pequena e rural do Japão (Hanamaki, prefeitura de Iwate).
Desde jovem, diz-se que Kenji se incomodava muito com o fato de a riqueza de sua família provir da extorsão das famílias agricultoras de sua região.
Estudou agricultura e geologia, e foi um fervoroso praticante de Budismo. Mudou-se para Tokyo, após desavenças com sua família.
Foi professor de ciência da agricultura, e diz-se que sempre levava seus alunos para passeios nos campos e montanhas, pois acreditava que a melhor forma de aprendizado era a experimentação direta das coisas.
Escreveu contos de fadas, histórias para crianças e poemas, tendo publicado por conta própria o seu primeiro livro,  Chūmon no Ōi Ryōriten, 注文の多い料理店 (algo como "O Restaurante de Vários Pedidos").
De 1926 até o ano de sua morte, em 1933, dedicou-se a melhorar a qualidade de vida das pessoas de sua terra natal, em Iwate. Implantou novas técnicas de agricultura, e iniciou uma espécie de Associação de Agricultores, onde dava aulas de agronomia, mas onde também haviam diversas atividades culturais, como música e teatro.

O poema que descobri (e até agora foi a única coisa dele que achei na internet), é um poema bem famoso aqui no Japão. Tendo conhecido um pouco mais sobre a vida de Kenji, o poema fica ainda mais bonito.
Me aventurei nessa tradução pro português, tanto pelo treino, como para tentar ajudar a fazê-lo chegar mais longe, para pessoas que dificilmente teriam acesso a esse universo, mas que com certeza vão gostar.

Aí vai!

"Ame ni mo makezu" (Kenji Miyazawa, versão original)


雨ニモマケズ
風ニモマケズ
雪ニモ夏ノ暑サニモマケヌ
丈夫ナカラダヲモチ
慾ハナク
決シテ瞋ラズ
イツモシヅカニワラッテイル
一日ニ玄米四合ト
味噌ト少シノ野菜ヲタベ
アラユルコトヲ
ジブンヲカンジョウニ入レズニ
ヨクミキキシワカリ
ソシテワスレズ
野原ノ松ノ林ノ蔭ノ
小サナ萱ブキノ小屋ニイテ
東ニ病気ノ子供アレバ
行ツテ看病シテヤリ
西ニツカレタ母アレバ
行ツテソノ稲ノ束ヲ負ヒ
南ニ死ニソウナ人アレバ
行ツテコワガラナクテモイイトイイ
北ニケンカヤソショウガアレバ
ツマラナイカラヤメロトイイ
ヒデリノトキハナミダヲナガシ
サムサノナツハオロオロアルキ
ミンナニデクノボウトヨバレ
ホメラレモセズ
クニモサレズ
ソウイウモノニ
ワタシハナリタイ

*


Não perder para a chuva  - (Kenji Miyazawa, trad. Jony Pupo)

não perder para a chuva
não perder para o vento
não perder para a neve
nem para o calor do verão
manter um corpo forte
sem apegos nem ganâncias
nunca se irritar
estar sempre rindo silenciosamente
em um dia, comer arroz integral
com missô
e um pouco de legumes
em todas as coisas
colocar-se por último
ouvir tudo e ver tudo
entender
e não esquecer
viver num pequeno casebre
com telhado de palha
à sombra dos pinheiros
da floresta
se ao leste houver
uma criança doente
ir até ela e trata-la
se à oeste houver
uma mãe cansada
ir até ela e ajuda-la
se ao sul houver
alguém à beira da morte
ir e dizer que não é preciso medo
se ao norte houver
brigas e desavenças
dizer que parem, tamanha
tolice
na seca, derramar lágrimas
no frio do verão, vagar pensativo     
chamado por todos
cabeça-de-vento
não sendo louvado
nem corrompido
tal pessoa
eu quero me tornar

*

Ao que tudo indica, essa é uma imagem do manuscrito original, no caderno do Kenji


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A montanha mais alta de Tenri

Subi hoje pela segunda vez a montanha mais alta de Tenri.
Passando por uma cachoeira incrível e sagrada, e por um templo escondido no meio da floresta, em que vive um velho monge, arrodeado por estátuas de divindades budistas.







Subi desta vez sozinho, já fazia um bom tempo que eu queria fazer isso.
Qual não foi a minha surpresa ao chegar no topo e ver que eu não estava tão sozinho assim...
É como me disse uma vez a minha vovó, "quem tem música no coração, nunca padecerá de solidão".

Não estive, nem estou sozinho - levo muitos comigo.



Axé!

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

初夢 - Hatsuyume - o primeiro sonho do ano

初夢 

A palavra hatsuyume é composta pelos ideogramas de começo/início 初 - hatsu, e sonho 夢 - yume.
Na cultura japonesa há a crença de que o primeiro sonho do ano é particularmente significativo, devido ao seu caráter meio "oracular". É no primeiro sonho do ano que podem ser revelados caminhos a serem seguidos, escolhas a serem tomadas, enfim... tudo o que disser respeito a vida do sonhador para o ano que se inicia.
Lembro que um de meus professores de japonês, daqui da faculdade de Tenri, comentou que é muito comum as pessoas que realmente acreditam no hatsuyume, aguardá-lo ansiosamente, para que possam vislumbrar respostas para dúvidas e problemas que estão vivendo.
Acho uma crença muito bonita... casa muito bem com minhas próprias crenças particulares, de que nada, ou muito pouco daquilo que realmente precisamos se encontra externo a nós. Tudo, tanto coisas boas quanto ruins, que afetam nossa vida e nos faz seguir os caminhos que seguimos, já estão dentro de nós. Basta sabermos encontrá-las, passar-lhes um crivo bem calibrado, e jogar o lixo fora, para que consigamos ser tudo o que queremos na vida.
Agora, quem vai dizer que essa é tarefa fácil?
A vida inteira é pouco.
Caminhemos.

*

Segue um poema feito de supetão, na tentativa de registrar o que foi o meu hatsuyume para o ano de 2013.


hatsuyume

capeta enchendo o saco
enfraquecendo
duvidando

passa o tempo
e, deitados lado a lado
quase entregue,
quase

vem
da mesma forma que ele

de dentro vem
o amuleto que me protege
começo a cantar

e cantando,
golpeio o capeta
com sons
e palavras

o prendo debaixo
da cama
ele reclama, rosna,
olha pra mim com
a minha própria cara

mas continua lá,
preso, indefeso
aos ares
de minhas canções

e não mais o temo

então
saio do peito
sem amargura
nem armadura
e dá-se a solução