quinta-feira, 18 de abril de 2013

Monte Yoshino, ventos, cerejeiras e a cabana de Saigyô


À beira da estrada
Na sombra de salgueiro
Onde flui límpido regato,
"Só por um minuto", disse eu,
E ainda não parti.

(Saigyô, tradução desconhecida por mim nesse momento)

Neste final de semana passado, mais especificamente no domingão, fiz um passeio que queria fazer há muito tempo, desde que cheguei aqui no Japão. Em companhia de alguns amigos franceses e um amigo brasileiro, subi o famoso Monte Yoshino (吉野山).
O Monte Yoshino se enconta na beirada de uma cadeia de montanhas que unem a província de Nara 奈良県, com a província de Wakayama 和歌山県. É uma região famosíssima, por conter inúmeros templos e caminhos antigos, sendo uma área considerada sagrada para a prática de peregrinação.
Nessas montanhas que se originaram, há muito tempo atrás, os Yamabushi 山伏, sacerdotes budistas da escola Shugendou 修験道, famosos por suas práticas ascetas e rituais de purificação - segundo um monge com quem conversei num dos templos.

O Mte. Yoshino, especificamente, é também muitíssimo famoso por ter em sua área centenas de pés de Sakuras 桜 (cerejeiras), que florescem em diferentes períodos, dada a diferença de altitude, prolongando assim o tempo de Sakuras florescidas.
Fui a essa montanha exatamente em busca das Sakuras, e não pude ficar mais contente com o que encontrei por lá. As árvores, em sua maioria, já estavam sem flores, e somente nos lugares mais remotos, montanha adentro, foi que as encontramos, já em seus últimos dias de exuberância. Foi magnífico.

Como já havia mencionado por aqui, a sensação que as Sakuras despertam é algo inigualável. Mas o que senti lá, no alto daquela montanha, foi ainda mais absurdo. O mesmo vento que me refrescava a cada passo na subida, derrubava centenas de pétalas, fazendo-as pequenas bailarinas, antes de chegarem ao chão, e ao final de sua vida.
Pequenas vilas se encaixavam nas curvas da montanha, e entre elas, enormes templos, carregados de silente e poderosa história. Um cheiro de incenso, o céu azul e a terra branda, ambos parecendo estar mais perto a um só tempo. Ancestralidade sem começo e nem fim, apenas sendo, vindo, e servindo.

Logo no primeiro templo que alcançamos, havia uma pequena barraca onde monges tão carecas quanto simpáticos ofereciam sake para os passantes, um sake que era produzido ali no próprio templo, e que servia a um único propósito: brindar às Sakuras, brindar à vida e à morte.
Nem preciso dizer da minha alegria com aquele brinde. Aquele começo de jornada ficou ainda mais onírico...

Caminhamos o dia inteiro, com um belo sorriso no rosto. Nos perdemos e nos achamos na floresta, almoçamos no meio do mato, o rolo de papel higiênico que levei na mochila salvou a vida de uma das amigas do grupo... enfim, foi um belo de um dia em minha vida.

Mas uma das coisas que mais me marcou, de longe, foi um encontro absurdamente inusitado. Após nos perdermos um pouquinho na floresta, voltamos para a bifurcação que nos levou à isso, e seguimos pelo caminho da esquerda. Após descer por uma trilha estreita, chegamos ao ligar mais cheio de Sakuras que encontramos até então: uma espécie de vale, pequeno, ao pé de dois morros.

Mas antes de contar o que exatamente encontramos por lá, gostaria de compartilhar uma outra estupenda surpresa que tivemos nesse caminho: uma garota japonesa estava fazendo essa mesma trilha, CALÇANDO SAPATOS DE SALTOS ALTOS. Não resisti, e tirei uma foto - achei que também seria útil para provar que eu não estava delirando, e que sim, algumas garotas japonesas podem ser tremendamente tontas. Aliás, tonto era também o namorado dela, que em muitos momentos a carregava nas costas morro acima e abaixo!  Juro que desejei ser esse cara por um momento, só para poder arremessá-la feito pétala de Sakura, e inventar assim mais uma bela forma de celebrar a brevidade da vida.

Bom, desabafo sádico a parte, sigo contando o que encontramos naquele vale das Sakuras...

Não haviam grandes coisas, além de dezenas de pés de cerejeiras, uma pequena bica d'água... e uma cabana. Um cabana isolada no meio da montanha, onde, há muito tempo atrás, pelo período de três anos, viveu sozinho um monge asceta, hermitão, poeta. Era chamado de Saigyô 西行.

Saigyô foi um cara incrível, e esse encontro com ele para mim foi mais uma experiência de tirar o fôlego, mais uma das algumas experiências que fizeram valer todo e qualquer sacrifício de estar aqui, para além do tanto de coisas práticas que estou aprendendo. Se estar aqui, sendo bolsista intercambista da Universidade de Tenri, engrandece meu currículo Lattes, esse pequeno e singelo encontro com Saigyô me enriqueceu a vida, o coração e a memória para sempre, e desde já sou grato por isso.
Já havia tido contato com a sua poesia antes, na faculdade, quando eu inda estava no Brasil. Li trechos de seu livro "Poemas da cabana montanhesca", e qual não foi o meu delírio ao encontrar, sem absolutamente nenhuma intenção ou precedente, a cabana onde ele viveu e escreveu este livro, a tal da Cabana Montanhesca!

Fico pensando nele ali, em como ele viveu, o que ele comia, como ele vivia... O que será que ele fazia todo dia? Três anos de solidão e completude. E o resultado disso não pode ser mais belo: poesia.

Ficam aí algumas fotos, minhas e de alguns amigos (Vinícius, Marion, Victorien), para ilustrar, ainda que muito pouco, como foi para mim esse dia - trecho de caminho, caminho de poesia.



O começo da subida, e a mistura das cores da montanha 


 E de repente tudo fica rosa


 Pequenas vilas guardando mil histórias


 Templão e Sakuras


 Templão e a tendinha do sake ali embaixo


O brinde


Mil Budinhas


 Um Yamabushi tocando seu berrante e posando pra foto


 Perdidos na floresta 1


 Perdidos na floresta 2


Perdidos na floresta, mas sem miséria!
Armoço no meio do mato

A trilha rosa

 A tonta


 A cabana: Saigyô-an
西行庵


A cabana e a estátua

O hómi

 "Indo embora de Omine-okugakemichi, sentido o Mte. Sanjogatake, descendo ao longo do vale por um tempo, você alcançará um pequeno vale. Em seu canto se encontra Saigyo-an,  uma pequena cabana onde Saigyo (1118-1190), um poeta e monge budista, viveu por três anos. Enquanto esteve nas profundezas da montanha, ele escreveu muitos poemas. Os arredores são uma área famosa de contenplação das cerejeiras, chamada Okusenbon. Como as cerejeiras, ambas as folhas verdes e frescas na primavera, e coloridas no outono, são muito bonitas. Ali por perto há uma fonte de águas limpas, chamada de Kokeshimizu."


O minino

O horizonte

 Os novos amigos


E a foto clássica queima-filme de minha pança grávida






É nóis, Saigyô-san.


PS. Aqui vai um blog que achei, de um cara que traduziu uns poemas do Saigyô.
Tá em inglês... mas quem conseguir entender, vai curtir com certeza.
Fico devendo traduções pro português de alguns poemas do Saigyô... promessa.
http://classicaljapanesetranslations.blogspot.jp/2012/06/saigyo-looking-to-west.html

4 comentários:

  1. Meu velho, lindo texto de suas andanças! Na terra das Sakuras, à caminho da cabana de Saigyô!Quanta poesia emana desse olhar itinerante, que não só contempla mas que respira os detalhes e encontros da vida! Saudades

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  2. Adorei!!!! Suas crônicas de viajante são deliciosas!

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  3. João! Que lindeza!
    Sua descrição alterna exatamente os tons da sua presença: admiração diante do belo e surpreendente e narrativa muito rica e instigante do que ele suscita, o ser pândego (rsrs) e o criador poeta nascendo em flores. Obrigada por compartilhar isso!
    Grande beijo. Marina

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  4. Cois'de loco a história. obrigada por contar e ainda bem que mostrou de novo. Pois bem. Meu comentário: O espírito do poeta tinha que levar você até lá, enquanto a conterrânea tonta galopasse entre as sakuras. Gostei do texto e das fotos. Bjs da Ciça.

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